In addition to wine

António do Lago Cerqueira

1880 - 1945

Dr. António do Lago Cerqueira nasceu na Casa da Calçada (Cepelos), em 11 de Outubro de 1880. Formou-se em Filosofia pela Universidade de Coimbra. Com grande actividade política, foi figura de destaque no partido democrático chefiado pelo Dr. Afonso Costa. Ocupou durante alguns anos na Câmara Municipal de Amarante, o lugar de Presidente, onde deixou algumas obras de vulto, das quais se destaca a construção da Central no rio Olo que serviu para que pela primeira vez chegasse a electricidade à Vila de Amarante. Exerceu também altos cargos no poder Nacional, como o de Ministro dos Negócios Estrangeiros e Ministro do Trabalho.
Por questões políticas teve de se ausentar para França. Em Paris, frequentou o curso de Viticultura e Vinificação no Institut National Agronomique. Os conhecimentos adquiridos na área da vitivinicultura permitiram-lhe introduzir melhoramentos nas suas propriedades, de tal modo que fundou as Caves da Calçada, que espalharam por todo o território nacional e internacional os seus excelentes vinhos e derivados.
Em sua homenagem foi erigido um busto em bronze na Avenida General Silveira, e foi dado o seu nome à Escola Profissional de Vitivinicultura de Amarante, onde se faz formação no âmbito da vitivinicultura, análises, gestão e outras especialidades.
(Amarante - Uma ponte entre a história e a Natureza, Anégia Editores, 97

VINHO VERDE DE UVAS MADURAS !!!

Na época, António do Lago Cerqueira foi o maior vinicultor da região de Amarante, pela expansão nacional e internacional da sua casa agrícola, - um presidente da câmara com o sentido moderno de gestão e do projectos avançados para a desenvolvimento, - um político democrático sempre coerente com os seus princípios, pelos quais sofreu a prisão, a enxovia e o exílio: em 1918, na ditadura de Sidónio Pais, em 1919, na Monarquia do Norte, também chamada Traulitânia, e no regime da Ditadura, de 1927 até a década de 40 - em que, já sexagenário, autorizaram o regresso à Pátria.
Além de presidente da Câmara de Amarante, foi membro do Directório do Partido Democrático, deputado, ministro do Negócios Estrangeiros, em dois ministérios, e ministro do Trabalho, durante o período de 1910 a 1926, isto é, durante 15 anos, tanto durou a 1ª República e a sua acção política.
Nasceu em 11 de Outubro de1880 - aceitemos este ano, afastando a versão que refere o anterior - e teve um irmão e uma irmã.
Foi ali na Casa da Calçada - onde também faleceu em 28 de Outubro de 1945, meses depois da vitória dos Aliados, na II Grande Guerra Mundial, satisfação que pode ainda levar para o túmulo.
A guarita de pedra, vários motivos arquitectónicos e os merlões, vulgarmente chamados ameias - os especialistas chamam ameias apenas aos espaços livres entre merlões - identificam junto da ponte velha do séc. XVIII, a Casa da Calçada, que é das mais grandiosas da cidade e que, ultimamente, sofreu ampliações para efeitos de um majestoso hotel de turismo.
Provindo da aristocracia rural amarantina, da qual divergiu com os evidentes atritos, licenciou-se em Filosofia pela Universidade de Coimbra, diplomando-se ainda, mais tarde, em França, num instituto de Agronomia. Mas não usava títulos universitários nos cartões de visita.
Só por baixo do nome imprima em francês "ancien ministre", antigo ministro da República, quando vivia exilado em França.
Também nos documentos oficiais, a seguir ao nome de registo civil, escrevia só "proprietário viticultor".
Todo o seu trato ou relacionamento com as diversas classes sociais era de impecável educação e elegância.
Por invulgar nas pessoas de berço doirado, referimos ainda que na rua por mais estranho que pareça, conhecia um a um os habitantes. De boa memória visual e fisionómica, mesmo na gente mais humilde, conhecia os clãs e parentescos, o que decerto viria a influir nos seus êxitos eleitorais.
Quando estudante em Coimbra, portanto no virar do séc. XIX para o XX, conviveu com jovens entusiasmados pelos ideais republicanos, de que, apesar da fortuna pessoal, nunca se afastou e pelas quais sofreu mais doze anos de exílio, com os evidentes prejuízos em todos os sentidos. Antigamente não era raro empobrecerem - às vezes até à miséria - os que se devotavam à política. Agora, já prevenidos, parece que não chegam a esse extremo...
Como se pode depreender do volume "O Livro do Dr. Assis", de Alberto Costa (Ex-Pad Zé), a casa que ocupava em Coimbra era de grande fausto mas também de grande generosidade.
Um mundo de referências lendárias envolveu Lago Cerqueira:
Os galgos russos brancos, com correntes de prata - o estojo de toalete masculina mais completo da Europa (quando então havia muitos reis e príncipes) - salões de banhos turcos e árabes - os avisos antes da busca domiciliária da polícia - o anel brasonado no dedo democrático - o chefe da estação ferroviária só a dar partida quando chegasse - a bandeira hasteada, assinalando a presença do senhor na quinta, com o seu castelinho apócrifo e decorativo, como são todos os panos de pedra ameada dentro da nossa cidade.
Todo este aspecto pomposo e de refinamento faz lembrar o Jacinto do romance "A Cidade e as Serras", de Eça.
Temos de colocar Lago Cerqueira no espírito "fin-de-siècle", na transição da Monarquia para a República, coisa que era impossível ser rápida, se quisermos entender bem a época.
Ao mesmo tempo, entretanto, germinavam os mais puros ideais de emancipação e justiça social, uma devoção ecologista e estética pela árvore, com os seus rituais, que Salazar, depois aboliu, uma exaltação do trabalho, com um ministério, que a Ditadura também eliminou. Exaltava-se o trabalho como força de produção de riqueza e da dignificação do homem. Decerto que eram ideias um tanto mitificadas mas agora, que se celebra a especulação, as mil maneiras de ganhar sem suor, não parece que tenhamos progredido.
Os adversários políticos, diante do seus êxitos eleitorais, acusavam-no de caciquismo e favoritismo nos empregos que, a vários níveis, conseguia, organizando obras de toda a espécie. O bom empregador é sempre compensado em votos nas zonas de grandes carências.
A verdade porém é que os adversários, estatisticamente, tinham vantagem, podiam dominar a maioria do eleitorado, com todos os seus caseiros, trabalhadores, afilhados e dependentes.
Por outro lado, os adversários não poderiam ficar em casa, quando toda a gente o vitoriava na rua, pela inauguração da luz, pelo regresso do exílio da Traulitânia, enfim nas manifestações puramente cívicas e apartidárias, como em Abril de 1918, 2 de Outubro de 1919 ou 4 de Dezembro de 1920.
Contraste flagrante este! Se o general Carmona, presidente da República, passava por Amarante, de visita anunciada, praticamente só elementos da Câmara soltavam frouxos vivas.
Quando, na década 40, regressou o exilado Lago Cerqueira, se passava a pé pela rua, não mentiremos se afirmarmos que toda a gente - homens, mulheres e crianças - o saudavam, num contagiante sinal de respeito, a que respondia a sorrir, com largos movimentos do chapéu.
Sem excepção, parece, os adversários políticos coincidiam num ponto: Lago Cerqueira era um homem de trabalho e de acção - o que não exclui a sua formação estética, tanto no sentido moral, como nos pormenores das coisas que fazia. Vejam-se os rótulos das garrafas da sua casa agrícola "Les Vins du Portugal", "Os Vinhos de Portugal".
Toda a sua acção porém, administrando a Casa da Calçada ou a Câmara de Amarante ou como político, é o inverso ou está em contradição com os boatos e lendas e os reais, verdadeiros, exteriores de pompa e grandiosidade.
Não vamos aqui aprofundar estes aspectos contraditórios da personalidade do nosso conterrâneo, porque é na acção que vamos encontrar, não nos exteriores ou na obra escrita, como em Pascoaes ou António Cândido.
De escrito pela sua mão, Lago Cerqueira deixaria apenas alguns artigos em revista francesas e a sua tese no Instituto francês de Agronomia, "Les Vins du Portugal", "Os Vinho de Portugal", publicada em volume, no ano de 1929, de três mil exemplares, com gravuras, de largas críticas à política vinícola de então.
Do seu trabalho sob o título "A Situação da Lavoira, especialmente da Viticultura", que em França teria escrito, dentro de um plano geral dos exilados políticos para o restabelecimento democrático de Portugal, ao que se sabe, não foram encontrados vestígios.
Quando em Braga estalou o 28 de Maio de 1926, cujo cariz foi inicialmente ambíguo, antes de se declarar Ditadura da Direita, Lago Cerqueira era Deputado. Três dias depois do golpe militar de Gomes da Costa (que, a seguir, ele próprio, foi exilado pela Ditadura), portanto no dia 31 de Maio, reuniu ainda o Parlamento mas sem "quorum". Só responderam 38 deputados. Dada por encerrada a sessão, ouviu-se um brado: Viva a República! Era Lago Cerqueira. E só 48 anos depois, com o 25 de Abril de 1974, regressaria o regime democrático que temos hoje. O facto é que Lago Cerqueira estava presente nos grandes momentos: de perigo e derrota, no Parlamento, em 31 de Maio de 1926, - na revolução anti-ditadura do 3 de Fevereiro de 1927 - como na implantação da República em Amarante, na tarde do dia 6 de Outubro de 1910.
Como é sabido, especialmente pela data do feriado nacional, a bandeira verde e vermelha, que substitui a azul e branca da Monarquia, foi hasteada na Câmara de Lisboa no dia 5 de Outubro de 1910. Demorou portanto alguns dias até que o regime republicano fosse simbolizado pelas bandeiras ao longo do país.
Com as dificuldades de comunicação de então, em Amarante, foi na tarde do dia 6, um dia depois. Era um grupo de amarantinos e lá estava também Lago Cerqueira, ao içar da flâmula verde e vermelha na Câmara Municipal.
Como presidente da Câmara de Amarante, com uma edilidade em espírito de equipe ou colegialidade, realizou importantes melhoramentos públicos. Falaremos de alguns concluídos e de outros que, apesar da fase adiantada, ficaram definitivamente suspensos ou abandonados pelo 28 de Maio.
Referimos já os Serviços Florestais, sede da 6ª Administração.
Um outro empreendimento importante foi toda a estrutura da Hidreléctrica do Olo, cujas obras correram de 1914 a 1917, para fornecimento de energia ao concelho, que hoje já não se aproveita por ser de 110 volts, como era de estilo há 70 anos, e agora generalizada para 220.
Desta obra ficou um álbum com fotografias, esclarecendo todo o desenvolvimento das obras. Estávamos em plena I Grande Guerra, que nos envolveu não só em França, como em África, nas colónias de então. Época difícil para uma Hidroeléctrica. Era preciso vencer fortes obstáculos, que iam dos problemas técnicos aos financeiros, passando pela opinião obstrucionista dos grande proprietários.
Não era só um sentido muito agudo de contabilidade e previsão. Em Lago Cerqueira confluía ainda uma personalidade forte mas comunicativa, um perfil de gestor progressista, e uma crença arreigada nos homens e nas suas possibilidades.
Outras realização foi a chamada Escola Primária Superior, de que vários amarantinos beneficiaram, já que havia sido extinto o Liceu de Amarante, em que estudou Pascoaes. Depois do 28 de Maio foi fechada.
Outra carência de premente necessidade era, então, o abastecimentos domiciliário de água. Mas havia prospecções, pesquisas, canalizações - de que restam as infra-estruturas - atravessando terrenos, o que envolvia forte oposição dos proprietários rurais. Suspensos os trabalhos pela Ditadura, Amarante teve de esperar largos anos por este serviço público.
Outro empreendimento de grande alcance para o desenvolvimento de Amarante era a instalação da Escola Agrícola, que os amarantinos ambicionavam a sediar na Quinta da Cerca de Baixo, em que Lago Cerqueira se empenhou movendo obstáculos.
Mais uma vez a Ditadura o fez abortar e para sempre. Até o Regimento de Artilharia 4, instalado no Campo da Feira, foi transferido, a população bolchevizava a tropa, no dizer de um general. Mas outras obras e benefícios, que seria cansativo enumerar, se verificam e foram concluídos: no mercado de então, na Misericórdia, nos Correios, caminhos rurais, acessos à estação do caminho de ferro, ampliação do cemitério... É hoje ainda opinião generalizada que o nosso vinho verde não dá para envelhecer, que dois anos em garrafa será o máximo.
Apontam-se razões do teor alcoólico, 7 a 8 graus, e que as qualidades organolépticas, as suas delicadezas de sabor, perfume e cor, se perdem rapidamente no tempo. Mas mais que isso, haverá motivos de outra ordem.
Não só o minifúndio e o caseiro, como o proprietário de quintas, dificilmente poderão aguentar, por 10 ou mesmo 5 anos, a suspensão do fluxo financeiro anual, proveniente do vinho, base económica da exploração agrícola da nossa região. Fundamentalmente, havia e há, portanto, uma espécie de mito, a cobrir razões financeiras e de rotina.
Lago Cerqueira homem de acção e empreendimentos, estudou, comparou e, em luta contra a rotina, com os meios da época, produziu marcas de vinho verde, como "Casa da Calçada", "Amarante" e "Cuvée de Choix" que resistiam ao tempo e envelheciam. Exportou para o Brasil e a própria França, passando a ser fornecedor oficial das Casas Civis das duas Presidências da República. Em Paris e não havia, então, as centenas de milhares dos emigrantes portugueses de hoje, abriu uma frequentada adega de vinho verde amarantino. Não se limitava só ao vinho. Tinha aguardentes de marcas muitos apreciadas, como "Aguardente Velha" ou "Tipo Fine Champagne". O conhaque, para o qual concorria a maçã camoesa tão tradicional, agora desaparecida do circuito de venda, rivalizava com os célebres conhaques franceses. Desde rótulo, de qualidade e requinte, - o registo internacional perpétuo na Suíça, das marcas comerciais para os seus tintos, brancos e claretes, - circuitos de venda e expansão, - tudo era cuidadosamente estudado, mesmo no exílio, longe da terra. Naturalmente que tinha colaboradores de qualidade e confiança pois não há general, sozinho, que ganhe qualquer batalha.
Em qualquer empresa uma das grandes virtudes do gestor é precisamente preparar, escolher, dar meio e condições, fazer participar, colaboradores e empregados. Os proprietários de rotina diziam com ironia que, antes da pisa, mandava os lagareiros tomar banho de corpo inteiro e que só colhia as uvas lá para o Natal... Exageravam decerto, mas vinho verde de uvas maduras - era o lema de Largo Cerqueira. Não era dos produtores que não sabem as castas que têm nos choupos, bardos ou ramadas. Há 60 anos, como se verifica em "Les Vins du Portugal", "Os Vinho de Portugal", criticava com a sua experiência pessoal a legislação em vigor, dava indicações muito precisas sobre enxertias, castas mais indicadas para a boa qualidade, referia testes, análises químicas que praticava como enólogo, com experiência diversificada em países da Europa.
Recentemente decreta-se e tomam-se medidas para preservar a qualidade dos vinhos verdes, que na nossa região é específico, é diferente. Quando é mesmo de Amarante, não se confunde, não admite mistificações.
Lago Cerqueira há 60 anos estudava o assunto, analisava, tirava conclusões, possivelmente não coincidentes com as preconizadas hoje. (Naturalmente não caberá aqui discutir, tal assunto.)
Para a genuinidade e expansão do vinho verde e seus derivados, redução de custos e circuito comercial de confiança, Lago Cerqueira, na década 20, preconizava, já então, cooperativas vinícolas bem organizadas.
Algum dia há-de acontecer e naturalmente uma das virtudes da tão falada Regionalização será também o levantamento dos valores regionais.
E não só na área das Letras, Artes e Ciências. Certamente no capítulo dos homens de acção na vinicultura e progresso de Amarante, o nome de António do Lago Cerqueira será sem rebuços, nem complexos, levantado como um dos seus maiores expoentes.
Manuel Amaral - Escritor Amarantino

2011.10.20 Manuel Amaral



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    António Lago

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